segunda-feira, 10 de abril de 2017

Surto psicótico e o capitalismo

26 anos. Auge da minha vida. Trabalhava, morava sozinha e já havia rompido com grandes questões que fizeram parte da minha formação. Mas todas vieram à tona durante o surto e a principal foi a quebra com o protestantismo para uma aceitação do espiritismo. De repente você acorda olhando para a janela da clara manhã e escuta uma voz que diz ’eu posso’. Posso o quê? Posso dançar e cantar com as crianças que visualizo quando bato palmas e canto em favor daquelas que aparecem subnutridas na África. São tantos rostos e tantas vozes. Posso ajudá-las posso salvá-las. De repente gritam comigo "Se ajoelha!", contra este sistema. Tremendo pego o isqueiro e queimo o cartão que acabei de partir ao meio. Cartão do banco. Está calor, mas você treme, pois as vozes que dizem que vão te matar são incessantes e não te dão sossego.
Você perde sua carteira de identidade. Meu irmão preocupado disse que me levaria ao poupa tempo para tirar uma nova. De repente me recordei das precárias aulas de história na escola pública sobre a Segunda Guerra Mundial. O famoso poema do medo. ’Você é uma máquina’, uma máquina? Foi o que a voz me disse. Disse também que se não obedecesse seria responsável pela Terceira Guerra Mundial. Tremo novamente. Preciso obedecer, mas o quê? De onde vem essa culpa? Pessoas morrerão e talvez uma bomba nuclear extermine um povo. Porque você não obedece as vozes. Talvez os EUA permita que eu tire uma nova identidade.
Meus pés e minhas mãos estavam completamente diferentes diante dos meus olhos. Ao menos diante dos meus olhos. Maiores. ’Híbrida, é isso que você é’. Então eu sou uma mistura de humano e extra terrestre. Por isso meus pés e mãos estão se transformando. Por isso ontem ao vomitar em cima da cama depois de finalmente quebrar o símbolo do capitalismo o lustre se moveu nas minhas mãos. Teletransporte. De alguma maneira estava me comunicando telepaticamente com os meus irmãos de outros planetas. Cume dos meus dias. Era meu aniversário".
Estes são apenas três relatos dos inúmeros delírios. Em algum momento você percebe que de alguma maneira você é privilegiada. Todas as suas tias maternas tem depressão e a sua mãe se suicidou, mas isso é um mero detalhe. Genética? Como explicar um estado para o qual já foi receitado Rivotril, Clonazepan, Risperidona, Sertralina, Quetiapina e tantos outros que você já nem lembra o nome. Mal-estar na psiquiatria. A indústria farmacêutica já lucrou com você. Tudo se mistura e você cria novos sentidos. Isso apenas em um tipo de surto.
O capitalismo segue e seu diagnóstico é depressão seguida de surto psicótico. O não sentido faz todo sentido.

Publicado originalmente em http://www.esquerdadiario.com.br/Surto-Psicotico-e-o-Capitalismo

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