quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tic Tac!

25 anos...
Primeiro pensamento: “Porra falta 5 pra 30!”.
Mas por que este é o primeiro pensamento? O que significa 30? O que representa 30?
Bom, talvez que obrigatoriamente com essa idade algo significativo deva ter acontecido na minha vida. Será que precisa?
Significa também que não sou mais uma adolescente, não posso mais enxergar o mundo com olhos de criança, a realidade nos cerca o tempo inteiro. Significa que a sua juventude está ficando para trás e com ela uma provável saúde e até mesmo uma provável beleza.
Uma pessoa com mais de 30 anos que leia isso pode até se sentir ultrajada, afinal quando eu pergunto a idade de alguém e este alguém me responde: “36”, eu penso: “Que novo!”. Por que para mim, ao pensar na pessoa da Keyth, 25 que falta 5 pra 30, parece tanto?
Drummond descreveu o medo como o sentimento do mundo de 1945. Hoje acreditamos viver livremente, conectados, “in’s”. Tudo acontece ao seu redor, pessoas casam, ganham filhos, constroem a vida, conseguem bons empregos, se formam, trabalham, namoram, viajam, não fazem nada, morrem, guerreiam, fazem revoluções... E você o que faz? Trabalha e estuda, NADA parece ser o que acontece na sua vida. Às vezes penso que o sentimento do mundo de hoje é o de impotência. Essa impotência agregada à completa insatisfação humana acarreta os males do nosso século.
Eu não tenho 25 anos na minha alma!! Eu tenho 50 quando preciso ser experiente e madura para lidar com a realidade e arcar com conseqüências, tenho 12 anos quando me apaixono. Tenho 18 quando descubro algo novo que me faz sentir livre. Tenho 5 anos quando choro querendo colo de mãe, tenho 25 anos ao viver e tenho 1 ano ao perceber enquanto vivo que eu não sei nada absolutamente e que dificilmente saberei.
Eu não gosto de tipos, eu sempre digo isso. Eu não gosto porque não sou um tipo. A cada momento eu sou uma coisa nova e eu gosto dessa dinâmica, gosto de ser a Keyth que acredita e defende piamente aquilo que acredita e gosto de ser a Keyth que muda de idéia e que depois defende tudo ao contrário. Eu gosto de não ser nada.
Mas com 25, faltando 5 pra 30, parece que preciso ser mais, parece que preciso me encaixar, parece que preciso construir, parece que preciso definir e eu não quero fazer isso!!! Eu quero paz.
Os índios não contavam o tempo, a natureza lhes dizia as horas, sua numeração ia até 4, sua idade era contada juntando castanhas... Ah meu pai! Quem me dera! O tempo quantifica, prende, qualifica o que não é e nunca vai ser qualificável: sua vida, seu espaço, seus sonhos, seus projetos e metas. Eu não gosto do tempo, não gosto das horas.
Eu gosto de mim, sou grata por cada coisa que vivi nesses 25 anos, mesmo as coisas mais terríveis formaram a pessoa que sou hoje. Todas as coisas, pessoas que passaram pela minha vida, mesmo aquelas que hoje não fazem parte cotidianamente são parte do que sou hoje, todas, sem exceção. Eu gosto das pessoas, gosto de sonhar, gosto de sonhar como aquela garota de 12 anos, e eu tenho 12 anos todos os dias, mesmo tendo que fingir que sou a Keyth de 50 anos. Continuarei sendo, mesmo com 50 anos. Porque parece que uma pessoa de 50 anos necessariamente precisa ser madura e sábia, mas ninguém tem que ser nada, você tem que ser você.
“ Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Leminsk
Acredito nisto! Acredite nisto! E não crie um além, o além pode ser apenas o seu pensamento, aquilo que você é e que é inalterável, puro e inalcançável, pois só você, sendo você, vivendo o que viveu poderia pensar; e isto acredite, é tremendo!
E eu sou a Keyth com 25 anos, faltando 5 pra 30, com coração e medos de 12 , descobrindo o mundo como a de 1 ano e vivendo os 25 anos.
Espero da vida que eu possa ser para aqueles que amo alguém que motive, que apóie e que faça a diferença apenas por ser eu mesma, mais nada. O que vier a mais será sempre lucro, tudo que veio a mais tem sido lucro, e eu sei que estou cheia de déficits. Espero apenas sabedoria para reavê-los.
Obrigada vida por mais um ano!

Keyth

sábado, 19 de novembro de 2011

Explicação!


Olá meus amigos mais chegados que são aqueles que eu realmente me importo com a opinião.
A vocês eu gostaria de explicar o que estou defendendo quando aderi o greve estudantil que está ocorrendo na USP.
Tudo começou quando três estudantes foram pegos fumando maconha. Mentira, a discussão já estava proposta por alguns grupos específicos, porém as pessoas que possuem o meu perfil que é o de trabalhar e estudar não estavam interessados na discussão porque simplesmente por viverem uma realidade a parte que é a de pagar suas próprias contas no fim do mês, não consideravam a discussão relevante. Além disso havia também o perfil dos estudantes que acreditavam que a polícia está para nos defender e por isso consideravam essa discussão menor.
O que aconteceu no dia em que os três estudantes foram pegos com maconha, foi que a polícia havia passado o dia inteiro rondando a FFLCH e abordando estudantes que estavam indo e vindo. Quando no fim do dia, a polícia encontrou estes três estudantes e os queria prender, os estudantes da USP que conhecem seus direitos não quiseram permitir porque sabem que usuário de maconha não pode ser preso, isso não foram os estudantes que determinaram, foi a lei. Além disso, os estudantes se doeram porque sabem que para prender três estudantes que estavam fumando maconha, não era necessário 40 homens, com cavalaria, carros, etc. Pergunto a você meu amigo, alguma vez que você ou alguém que você conhece foi assaltado, a polícia por um acaso apareceu com esse aparato todo para te defender?
Visualizando o absurdo que foi o show da PM, muitos estudantes que presenciaram o que a PM fez naquele dia se atentaram à questão da PM na USP e aderiram as discussões que acabou com a ocupação da reitoria. Até aí, eu ainda continuava vivendo o meu mundinho sem maiores alterações.
Acontece que os 73 estudantes que ocuparam a reitoria receberam de um Oficial de Justiça, uma decisão judicial que dizia que eles tinham que desocupar a reitoria. Obviamente esses estudantes que se propuseram a questionar a presença da PM não saíram, você pode considerar isso imaturidade ou ingenuidade também porque é óbvio que isso serviria para perpetuar a ideia de que o movimento não tem uma causa digna de ser contemplada e que estes estudantes são filhinhos de papai que não tem o que fazer. Eu entendo que se trata de acreditar fielmente naquilo que defende. Enfim, a polícia cumpriu a determinação da justiça e foi desocupar a reitoria e eu agora vou explicar como foi:
400 homens armados, com helicópteros, carros, cavalaria e bombas de efeito moral, um verdadeiro aparato de guerra para prender estudantes, sim são estudantes não são criminosos. Pergunto novamente: Quando a polícia que está para te proteger, surgiu com esse aparato todo para defender você? Você pode até achar que está certo, porque havia uma decisão judicial, mas eu tenho certeza absoluta que você não achará certo o que vou dizer a seguir, e que contempla o depoimento dos estudantes que não foi ouvido pela grande mídia, Globo, Veja e sites como Folha e Uol.
Antes de ocuparem a reitoria, os policiais invadiram a moradia estudantil,CRUSP, e lançaram bombas de efeito moral nas casas dos estudantes, sim porque aquele lugar é a casa desses estudantes, que geralmente são de outro estado ou cidade, e por isso conseguem esse benefício. Se o seu filho fosse morar na universidade em que estuda, você gostaria que a polícia invadisse a casa dele enquanto ele DORME? Acredito piamente que não. (ABAIXO EU VOU DEIXAR O LINK DOS DEPOIMENTOS DE TUDO QUE EU ESTOU NARRANDO AQUI, PARA NÃO PARECER ALGO CRIADO).
Os estudantes foram colocados e trancados dentro das salas da reitoria, 23 ou 24 estudantes mulheres foram colocadas em uma sala a parte com policiais homens que as agrediram fisicamente, você minha amiga mulher considera isso correto? Além disso, pegaram uma dessas estudantes e a amordaçaram, essa estudante começou a gritar e os estudantes cercados pelos policiais não podiam fazer nada, essa mesma estudante teve uma crise asmática e não foi socorrida, você que tem asma sabe o quão grave é uma crise não assistida.
Os policiais não deixaram que os estudantes que chegavam para estudar de manhã, sim porque tudo isso ocorreu da maneira mais límpida possível, as cinco horas da manhã, por que será? Enfim, os policiais não deixaram que esses estudantes que chegavam intervissem na ocupação e garantissem a integridade dos estudantes que estavam dentro da reitoria. E mais, os policiais não deixaram sequer que a grande mídia entrasse no local. Enfim, prenderam os estudantes e mentiram dizendo que eles haviam depredado a reitoria. O que os estudantes admitem é terem destruído o portão principal e as pichações. Não havia bombas, havia vinagre para protegerem suas respirações caso os policiais viessem com bombas de efeito moral. Os policiais foram quem destruíram cadeiras, quebraram janelas para poderem propagar na grande mídia que os estudantes haviam destruído o patrimônio público.
No dia seguinte eu participei da Assembléia do meu curso de Letras, e já com essas informações em mãos, eu simplesmente não poderia fingir que isso não era extremamente GRAVE!! Porque, achando uma manifestação coerente ou não, qualquer manifestação é legítima, é direito constitucional! E eu sou estudante, me reconheço nos estudantes que sofreram isso, e se fosse comigo nem sei o que seria capaz de fazer, caso conseguisse, com esses policiais.
Tudo isso abriu os meus olhos para uma questão que considero ainda mais grave: O que é segurança? O que é estado de direito? Quais são os limites da polícia? Ora, você sabia, meu amigo que trabalha e paga todos os impostos que a polícia de São Paulo mata mais que os EUA inteiro? Você sabia que ela pode te abordar da forma que quiser e depois se justificar dizendo que você era um "meliante" suspeito? Ora você meu amigo trabalhador, aceita isso????
Infelizmente a grande mídia nunca vai mostrar que a discussão nas Assembleias entre os alunos diz questão a pensar o que é segurança, além de suas questões internas, que por mais que neguem é legítima, a USP é uma autarquia, e quem definiu que ela seria uma bolha foi o estado. O mesmo estado que ao invés de criar mais USP'S para que qualquer paulistanozinho pudesse ter o direito de saber que não precisa apenas fazer um curso técnico e servir o mercado, mas que poderia também ser cientista!! Como eles fizeram isso? Sucatearam o ensino público e criaram o vestibular, dessa maneira a seleção é "natural", jovens que vieram dessa escola pública sucateada dificilmente conseguirão entrar na Universidade Pública. Eu não sei como consegui, porque vim de Escola Pública, fazia cursinho trabalhando das oito as seis e apenas com muito esforço e com a perda total da minha vida social, o esforço deu resultado. Você que é meu amigo é testemunha disso.
Ora, eu trabalhadora e estudante se um dia quisesse ocupar qualquer lugar que fosse e a polícia fizesse isso comigo, também jamais aceitaria!!! Não sou vagabunda e não sou filhinha de papai! E apesar da grande parte da USP só possuir estudantes com poder aquisitivo maior, possui também estudantes como eu!! A USP também serve estudantes pobres, sim pobre, porque poder comprar uma TV em 24 vezes não é ser Classe Média, aceite. E digo mais, ter dinheiro ainda não é crime com pena de não se poder pensar!
Eu pergunto a você, o que você quer para o futuro do seu estado??
Você quer trabalhar e cuidar da sua vida, você quer comprar a sua casa própria e poder viver tranquilamente, sem viver para ganhar dinheiro como alguns, mas estável. Ora, suponhamos que você adquira a sua casa própria, você sabe que o governo pode querer desocupar o local não é mesmo? Ora, você deve saber que o governo está fazendo isso no centro de São Paulo, onde a maioria dos meus amigos cresceram assim como eu, e você também sabe que é para vender para grandes empresas, não sabe? Ora, você também sabe que o governo NÃO quer pagar o valor devido pelos imóveis não sabe? Hoje eu não estou mais morando ali, na Santa Efigênia, mas como trabalho em contato direto com a Santa Efigênia por causa da informática, as informações veem dos lojistas. Ora caso isso ocorra com você no futuro, você obviamente não vai aceitar, obviamente vai se revoltar e obviamente vai se MANIFESTAR. Aí meu querido amigo, o que vai acontecer? A polícia vai te bater, criar provas contra você e dizer que você é arruaceiro e baderneiro.
VOCÊ TEM O DIREITO DE QUESTIONAR A SUA SEGURANÇA SIM! COMO CIDADÃO!!!
Eu aderi à greve na USP, porque essa questão é maior! Diz respeito àquilo que eu quero como estado de direito, diz respeito a uma democracia falsa em que se tenta governar pelo medo. Por falar nisso uma música do Rappa me vem à mente, e diretamente me associa ao Dinho, ouvi ontem e pensei: é por isso que aderi à greve: "A minha alma ta armada e apontada para a cara do sossego. Pois paz sem voz, paz sem voz, não é paz é MEDO! (...) É pela paz que eu não quero seguir ADMITIDO!".
É esse o tipo de política do nosso reitor, faz um convênio com a PM, porque é mais barato e eficaz para inserir o medo. Dessa maneira, pode ser mais corrupto e estar sob investigação como já está ocorrendo.
A desorganização dos estudantes é a coisa menos relevante quando a questão é maior, mas aos que defendem isso devo dizer: Não estamos desorganizados, as Assembleias ocorrem de maneira muito organizada em que todos que se proponham podem falar.
Informo a vocês meus amigos, as nossas bandeiras e o que queremos conseguir são:
- Fora PM do Campus.
- Fora Rodas/Estatuinte Soberana Já
- Retirada dos Processos contra os estudantes, que não são criminosos e estavam exercendo o seu direito!
- Segurança preventiva, com guarda universitária preparada para lidar com seres humanos!! Iluminação.
- Abertura da Universidade à Sociedade.

Além disso 10% do PIB para a educação está contido nas reivindicações que levaremos à manifestação de quinta-feira.
Foi o estado quem determinou, quando a USP foi criada para ser o cérebro do Brasil, que isso seria apenas privilégio de uma elite. Foi o estado quem determinou que a USP é uma autarquia. Mas a história está acontecendo, somos a história.
Estudantes que não tiveram privilégios são capazes de entrar na Universidade feita "para todos". Queremos a abertura da Universidade para que aquele lugar não seja de poucos, para que não seja um oásis a parte.
Isso é muito bom! Gostaria mesmo que todos fossem até lá, conhecessem os cursos, compreendessem que podem e devem exigir o mesmo para os seus filhos!!! Seus filhos podem ser cientistas! Os brasileiros devem ser cientistas, só dessa maneira conseguiremos crescer! E isso tem que ser gratuito sim! Para todos! Essa produção de conhecimento apenas favorece o país!
Por isso deixo o convite, quinta-feira faremos um ato na Paulista com início as 14h. Concentração na Praça Oswaldo Cruz, justamente porque queremos levar essa discussão para a sociedade. Vamos lá todos juntos, Movimentos Sociais que sofrem repressão, alunos, professores, cidadãos dignos que pagam seus impostos. Convite aberto para uma Aula de Democracia, que esperamos que seja dada pelo Excelentíssimo Governador Geraldo Alckmin que disse amplamente que precisávamos de uma aula de democracia. Nós estudantes convocamos o Governador para que venha para essa aula pública a TODOS! Vamos galera, juntos pensar o que é Segurança, o que é Democracia, o que é estado de direito. Vamos entender a importância da Universidade que eles querem que você acredite ser um problema. A USP não é um problema. O PROBLEMA É A SUA FALTA!!!

A foto é da Assembléia que decidiu por esse ato na quinta-feira, serve como prova àqueles que querem ainda dizer, que essa é uma manifestação de poucos. A Assembléia Geral é como o nome diz, geral, de todos os cursos da USP que aderiram a greve, não é só da FFLCH.
E uma informação aos que dizem que o problema é a FFLCH, a USP está entre as melhores universidades do mundo. Além disso possui quatro cursos que estão entre os 200 melhores do mundo, e esses quatro meus amigos é da FFLCH!!

Se ainda assim você não acha o movimento legítimo segue mais informações: Estudantes da Universidade de Freie em Berlin na Alemanha ocuparam suas salas e mandaram uma carta de apoio aos estudantes. Estudantes da França, Costa Rica, Chile, Colômbia e Bolívia estão organizando abaixo-assinados em favor dos estudantes da USP.

Segue o link de depoimentos, há mais pelo facebook, caso se interessem eu posto nos comentários.

http://www.facebook.com/notes/shayene-metri/desabafo-de-quem-tava-l%C3%A1-reintegra%C3%A7%C3%A3o-de-posse/233831886679892
http://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=2392958955801&id=1605741784

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O caixão


Baseada em Akutagawa, autor japonês, eis que pari este conto para a conclusão do semestre de Literatura Japonesa III. Não sou escritora, mas vale compartilhar o esforço.

O Caixão

Tudo em volta estava escuro. Ouvia chiados que se assemelhavam a vozes; abriu os olhos e sentiu-se em pé, porém nenhuma imagem se mostrava nítida. Aos poucos as formas começaram a surgir e conseguiu identificar alguns vultos que cercavam um objeto comprido, similar a uma urna, retangular e branco; parecia um caixão. Um caixão? Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Um caixão! Mas como? Onde estaria? Um enterro? Lembrava-se de ter estado em sua casa, em seu quarto. Estivera sentada em cima da cama com seu caderno entre as pernas, aquele caderno em que escreveria o bilhete... Uma dor extrema e pulsante penetrou sua mente e fez com que perdesse as forças, sentiu-se obrigada a sentar-se no chão. Não compreendia o que se passava. Abaixada, abriu os olhos e conseguiu melhor enxergar, em frente ao caixão percebeu duas crianças. Começava a diferenciar cores e formas, o menino era muito pequeno, deveria ter três anos recém completos, a menina um pouco maior, com a cabeça erguida olhava curiosa em direção ao caixão; alguém a pegou no colo e apesar da dor latente que aumentava e a fazia querer gritar, pode ouvir com pouca nitidez:

- Olhe bem para a ela, esta é a última vez que a vê.

A pequena Sabrina não entendia muito bem o que acontecia. Tanta gente naquele parque bonito, com aquelas casinhas em que se colocavam essas camas de madeira. Por que sua mãe dormia ali? Por que não a veria mais? Começou a chorar, seu pai comovido tomou-a em seus braços e sentou-se no banco colocado ao lado da sua esposa morta. Sabrina com seus aproximados cinco anos, em sua confusão de pensamentos pouco conseguia distinguir; ainda não relacionara os fatos ocorridos naquele domingo.

Acordara alegre e feliz, abraçou o pai e implorou para que a levasse consigo à feira, domingo era dia de pastel. Seu pai, depois de tanta insistência cedeu aos desejos dos filhos, o pequeno Paulo apesar de não entender o que pedia, imitava a irmã com tanto talento que acabou por comover o pai. Resolveu avisar a esposa que levaria os filhos. Luzia levantou-se da cama, visualizou o caderno, lembrara-se de deixá-lo em seu criado mudo. Dirigiu-se em direção a sua filha e em um gesto estranho muito mais pelo momento do que pelo seu significado, beijou e abraçou fortemente a sua menininha. Tão linda! Será que seria feliz como não conseguia ser? Seus olhos lacrimejaram. Voltou-se para Paulo que já se deitara em seu travesseiro e a observava com seus olhos grandes e expressivos, pérolas que pareciam perceber o que desejava fazer. Sentou-se e pegou-o no colo, tão pequeno e indefeso; sussurrou em seus ouvidos palavras doces e beijou aquele rostinho que mais lhe parecia o de um anjo.

Francisco admirava a linda esposa tão carinhosa com seus rebentos, sorriu-lhe da maneira mais terna. Luzia retribuiu e em um ímpeto abraçou seu marido e beijou-o como na primeira vez. O marido estremeceu correspondendo-lhe com alegria, enfim sua esposa voltara ao normal; a tristeza anterior que a fizera esconder-se no quarto finalmente passara.

- Volto logo, meu bem.
- Traz pastel. Quero de pizza.

Com Sabrina em seus braços, o pai se recordava daquela manhã e dos gestos de sua esposa. Se soubesse... Poderia não ter levado os filhos, isso com certeza a impediria. Se tivesse percebido, certamente não teria ido à feira. Agora era tarde, as lágrimas escorreram-lhe os olhos e atingiram o rostinho de Sabrina, misturando-se com as da menina que observava inexpressivamente o irmão. Paulo encostou a cabecinha nas pernas de Sabrina e manteve o olhar assustado em direção à parede.

Luzia que agora enxergava claramente encontrou os olhos daquele menino, mas quem era? Por que a olhava com tanto afinco, por que parecia conhecer aquele olhar? Sentiu náuseas, a dor a entorpecia e a fazia querer vomitar. O que estava acontecendo? Sabia que se chamava Luzia, mas não entendia o porquê de assistir aquela cena. Tratava-se de um filme? Rendeu-se e deitou, o chão gelado parecia aliviar a dor que começava a suportar apesar de não diminuir. Lembrou-se de estar deitada em uma cama, sua cama, alguém a chamou, o caderno em um criado mudo, o seu criado mudo, o bilhete que escreveria: “Cansei de Viver”. Uma dor ainda mais forte sobrepujou-lhe o coração que palpitou freneticamente, não fizera, sabia que não teria coragem mesmo com tanta vontade. Estava viva, podia ver e pensar, mas por que quisera fazer algo tão terrível? Por que desejara acabar com a própria vida?

– A vida é inútil.

Luzia entornou a cabeça à direita, porém ninguém lhe falava, percebeu ser aquele um de seus pensamentos. A vida é inútil. Por quê? Tanta dor, tanto sofrimento, tanta desigualdade, aquela extrema pobreza em que vivera e que ainda subjugava sua família.
- Minha mãe! Meus irmãos! Josi!

Tanto sofrimento, aquele barraco que por vezes não tinha sequer arroz. Lembrou-se de quando fizera um bolo para os seus irmãos menores e sua mãe o jogara no chão alegando serem aqueles três ovos os únicos para a mistura da janta. Não poderia ser aquilo algo digno de se denominar vida.

– Mas a vida pode ser diferente, pode-se escrever a própria história!

À esquerda também ninguém se encontrava. Pode-se escrever a própria história? Sentou-se novamente, pensou reconhecer um rapaz que abraçava aquele homem com a menina nos braços. Encontrou o olhar do menino que ao perceber, enfiou-se entre as pernas do pai e o mirou com um olhar aturdido.

Ao receber o olhar de Paulo, o pai não pode decifrar o motivo pelo qual o menino se acanhara. Será que percebia a tristeza do ambiente? Será que entendia que sua mãe havia morrido? Lembrou-se do momento em que entrou no quarto, sua linda esposa caída com o rosto ensangüentado, que desespero! Aquela arma, onde conseguira? Soluçava com as lembranças, mas por mais dolorosas que fossem, precisava compreender, compreenderia? Suas mãos que acariciavam a cabecinha de Paulo, pareciam ainda conter o sangue que manchara sua pele no momento em que tocara a face de Luzia ao constatar o que a esposa fizera. Como fora capaz de abandonar a vida? E as expectativas dos filhos, seria um ser humano capaz de se abster das expectativas dos próprios filhos? Como ela pode fazer isso? Não era feliz com ele? Se não o fosse, porque simplesmente não se separou? Como pode fazer isso com a família, com os filhos? As pobres crianças agora cresceriam com a marca em suas histórias da mãe que se suicidou com um tiro na cabeça, que covardia! Ao menos os filhos deveriam ser motivo da existência de um ser humano, se é que se pode chamar de ser humano alguém que faça algo dessa estirpe. Enquanto os pensamentos de Francisco se enchiam de raiva, seus olhos secavam e sentia as mãozinhas de sua filha apertarem firmemente o seu corpo. Sabrina mirou o pai e com voz chorosa perguntou:

- Papai, porque a mamãe está dormindo nessa cama de madeira branca? Por que só aparece o rosto dela embaixo daquele vidro?

- Sua mamãe está dormindo minha filha, daqui a pouco vão levá-la para morar no céu, ela se tornará uma estrela e todas as vezes que você olhar para o céu ela será a estrela que brilha mais forte.

- Por que a mamãe vai embora papai?

Francisco não respondeu. Sabrina chorando tentava entender porque sua mãe iria embora, não gostava mais dela? Mas a tinha beijado ontem. Por que agora iria deixá-la? Sabrina sentiu uma mão sobre seu rosto, era sua tia Josi, a irmã mais próxima de sua mãe, chorava como a maioria das pessoas no salão:

- Ela estava com um sorriso falso Francisco, eu disse para ela que estava triste.

Sabrina recordou-se da cena, sua mãe sorria e ao ouvir as palavras de sua tia, observou o sorriso da mãe e não compreendeu como poderia estar triste se sorria daquela maneira. Não estava triste, sua tia enganara-se. Sentiu seu irmão abraçar a sua cintura, seus olhos fixavam a parede, virou o rosto e viu a janela, havia uma árvore grande, talvez Paulo quisesse subir. Paulo olhava fixamente naquela direção.

A dor continuava sem dar tréguas, Luzia contemplava a mulher parada diante das crianças, conhecia-a de algum lugar, de onde? Aquele barraco, seus irmãos:

- Josi! Josi! Eu estou aqui, minha cabeça dói. Me ajude! Ergueu-se para caminhar em direção à irmã, titubeou, a dor dificultava a caminhada. Se Josi estava ali, deveria ser o velório de algum conhecido, o menino a acompanhava fixamente, de onde conhecia aquele olhar? Quem estava naquele caixão branco, aproximou-se, olhou em direção ao caixão. Seria um espelho? Enxergava seu rosto ali, como era possível estar dentro daquela urna se estava viva assistindo a tudo?

- Josi, o que está havendo? Estou aqui, quem é essa mulher parecida comigo neste caixão? O que significa isso?

Mas a irmã não lhe respondia, não ouvia? Estaria sem voz? Aquele homem, de onde o conhecia? Aquela menina? A dor! Não conseguia pensar, era incessante e a fazia querer voltar à escuridão inicial, onde sem consciência a dor não existia. Pôs as mãos sobre o caixão fechado, olhou fixamente para o rosto da mulher embaixo daquela espécie de janela de vidro. Morrera? Morrera! Efetuara o plano, os olhos, Paulo! Entendera tudo, Mas como era possível? Não parava de perguntar a si mesma, como era possível? Quatro homens se aproximaram, pararam ao seu lado e suspenderam o caixão. Francisco com Sabrina no colo pegou a mãozinha de Paulo que voltou sua atenção ao pai, levantou-se, Josi se pôs ao seu lado. Agora reconhecia aquelas pessoas, seus amigos! Seus familiares! Seu velório! Começaram a andar e a levar o caixão de onde se encontravam. Como poderia estar dentro do caixão se estava em pé observando toda a cena? Prosseguiam e a dor tornava-se insuportável.

- Não! Eu estou aqui! Sabrina, Paulo, Francisco não deixem que me levem, eu estou aqui. Pode-se mudar a própria história! Posso mudar a minha história.

Compreendera tarde demais o pensamento que sempre a perseguira, mas que as marcas de sua dura infância e de pobreza extrema, tiranas, não permitiram que desse ouvido. Todos se direcionavam para fora do salão. Agora conseguia ver os arranjos de flores e sentia o cheiro forte que emanavam. Distanciavam-se, enquanto continuava ali, sem forças.

- Eu fiz! Eu fiz! Escrevi o bilhete! Como cheguei até aqui? Que dor! Que dor!
Era a dor do tiro, entendera finalmente! Insana, intensificava-se, a escuridão retornava lentamente e aquelas pessoas que tanto estimava, aos poucos voltavam a se transformar em vultos. O que fizera? As perdera?

- Não, não posso perdê-las, prefiro a escuridão, prefiro a inconsciência!
Caiu, sem forças e cedeu à insuportável dor. Paulo já não mais a observava. Perdia de vista as pessoas que amava e seu coração palpitava ainda mais acelerado que a primeira vez. Consciente sucumbiu e entregou-se à escuridão.