terça-feira, 6 de outubro de 2009

Morte do Leiteiro e o senso comum.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Morte do Leiteiro



A Cyro Novaes



Há pouco leite no país

é preciso entregá-lo cedo.

Há muita sede no país,

é preciso entregá-lo cedo.

Há no país uma legenda,

que ladrão se mata com tiro.



Então o moço que é leiteiro

de madrugada com sua lata

sai correndo e distribuindo

leite bom para gente ruim.

Sua lata, suas garrafas,

seus sapatos de borracha

vão dizendo aos homens no sono

que alguém acordou cedinho

e veio do último subúrbio

trazer o leite mais frio

e mais alvo da melhor vaca

para todos criarem força

na luta brava da cidade.



Na mão a garrafa branca

não tem tempo de dizer

as coisas que lhe atribuo

nem o moço leiteiro ignaro.

morador na Rua Namur,

empregado no entreposto

Com 21 anos de idade,

sabe lá o que seja impulso

de humana compreensão.

E já que tem pressa, o corpo

vai deixando à beira das casas

uma pequena mercadoria.



E como a porta dos fundos

também escondesse gente

que aspira ao pouco de leite

disponível em nosso tempo,

avancemos por esse beco,

peguemos o corredor,

depositemos o litro...

Sem fazer barulho, é claro,

que barulho nada resolve.



Meu leiteiro tão sutil

de passo maneiro e leve,

antes desliza que marcha.

É certo que algum rumor

sempre se faz: passo errado,

vaso de flor no caminho,

cão latindo por princípio,

ou um gato quizilento.

E há sempre um senhor que acorda,

resmunga e torna a dormir.



Mas este entrou em pânico

(ladrões infestam o bairro),

não quis saber de mais nada.

O revólver da gaveta

saltou para sua mão.

Ladrão? se pega com tiro.

Os tiros na madrugada

liquidaram meu leiteiro.

Se era noivo, se era virgem,

se era alegre, se era bom,

não sei,

é tarde para saber.



Mas o homem perdeu o sono

de todo, e foge pra rua.

Meu Deus, matei um inocente.

Bala que mata gatuno

também serve pra furtar

a vida de nosso irmão.

Quem quiser que chame médico,

polícia não bota a mão

neste filho de meu pai.

Está salva a propriedade.

A noite geral prossegue,

a manhã custa a chegar,

mas o leiteiro

estatelado, ao relento,

perdeu a pressa que tinha.



Da garrafa estilhaçada.

no ladrilho já sereno

escorre uma coisa espessa

que é leite, sangue... não sei

Por entre objetos confusos,

mal redimidos da noite,

duas cores se procuram,

suavemente se tocam,

amorosamente se enlaçam,

formando um terceiro tom

a que chamamos aurora.

Eis um poema belíssimo de Drummond, que não me sai da cabeça há alguns dias...
A interpretação dele não é difícil, nada sobrenatural não é necessária a mais profunda análise literária para que se entenda o teor do poema. De uma forma sutil, e branda Drummond lança uma critica a respeito de um tema, na época senso comum "ladrão se mata com tiro"; ideologias a parte o que eu quero trazer a tona é a idéia do senso comum. No poema um inocente perde a vida porque uma pessoa afetada pelo sistema, na realidade também uma vítima do contexto de medo daquela época ( estavam vivendo os tormentos da II Guerra Mundial), acaba permitindo que o medo, algo inerente naquele momento tomasse posse dele.
Eu não quero me aprofundar nesse post, mas atualmente tenho pensado nas coisas que penso, nas minhas visões, tenho pensado quanto delas é de fato meu, e quanto delas são resquícios daquilo que foi embutido em mim a cada dia. Pode-se pensar em tudo, pode-se pensar em questões políticas, ideológicas, pessoais e afins. Bom, aproveitem o poema, ele fala por si só.

domingo, 4 de outubro de 2009

Sou brasileira com orgulho e amor!

Eu tenho muita alegria em saber que o meu país sediará as Olimpíadas de 2016.
Eu não sou alienada e sei que o Brasil superfatura obras, sei que não investe em saúde, sei que que não investe em educação, sei de tudo isso, não é à toa que estou me preparando para ser professora e tentar fazer diferença por meio daquilo que acredito.
Quando ouvi a notícia de que o Rio sediaria as Olimpíadas quase chorei, um amigo me ligou e estava no mesmo estado de euforia que eu. Mas depois me entristeci, porque ouvi um monte de outro brasileiros dizendo que isso era ruim, que tudo seria feito para que "inglês visse", que o Lula é a melhor pessoa mesmo para convencer sobre o valor do Brasil, porque mesmo sendo "burro" era carismático.
Eu não tenho partidos, aliás na correria do dia-a-dia pouco consigo me ater ao que acontece no cenário político, o que é uma pena. Também evito ler notícias que saem no Jornal Nacional, Folha de São Paulo e afins, melhor ficar desinformada. Porém, ver brasileiros desmerecerem o próprio país, os mesmos brasileiros que louvam o patrisotismo norte-americano, soa no mínimo contraditório.
Eu sei de todos os problemas, mas os problemas não são desculpa para que um evento como esse não aconteça no Brasil, e no meu íntimo fico pensando: "Se é tão ruim que superfaturem as obras, e isso é um motivo para alguns 'brasileiros' para que o Brasil não seja digno de as Olimpíadas, por que esses mesmos brasileiros não cobram a transparência devida?". É muito mais fácil colocar alguém no congresso e dizer que ele representa os meus direitos e que faz tudo errado, quando eu fico na minha vidinha confortável sem fazer nada pelo meu país.
Alguns fazem alguma coisa, ajudam de alguma forma, trabalham no terceiro setor. Acham que já fazem o suficiente, acham que cumprem o seu dever político. Bom sei lá, pelo menos fazem alguma coisa. Porém, isso não os tornam aptos a dizerem o que é bom ou não para o meu país.
Hoje eu tive o desprazer de ouvir um brasileiro dizendo que o problema do Brasil é a mentalidade do brasileiro, tive um desprazer maior ainda em ouví-lo dizer que o que nós herdamos e o que nos fez ter essa mentalidade foi "aquela coisa do índio", "descansar", "to com fome pego uma coisinha ali na árvore". Que triste, eu não tenho outra coisa para sentir em relação a esse comentário preconceituoso e cheio de desconhecimento sobre a cultura indígena do que tristeza.
Eu lembro que quando estava no colegial, com toda a imaturidade que tinha naquela idade, escrevi uma redação com o título "Índio é que sabia viver", lembro-me que discursei sobre o estilo de vida indígena, falei que eles sabiam viver, viviam nas suas terras, não tinham noção de propriedade (noção que qualquer leigo sabe o quão maléfica é), viviam em harmonia com a natureza, tinham sua crenças, etc, escrevi com o pouco conhecimento que tinha sobre o assunto, e no fim escrevi: "Se alguém discorda de que índio sabia viver, pode então pensar que se eles não sabiam viver, ao menos não tinham como principais problemas, estresse e depressão", o que sabemos são os males deste século. A sociedade massacrante atual, só nos leva a esses problemas, e hoje eu ouvi um brasileiro dizer, ou melhor, dar a entender que o que herdamos deles foi, em outras palavras a "preguiça". Que desprazer. Que desprazer!
Lula em seu belíssimo discurso sobre o Brasil em Copenhague, disse que o Brasil é misturado, e que brasileiro gosta de ser misturado... é eu não acho, alguns brasileiros me comprovam o contrário constantemente.
Nós herdamos a cultura indígena, e eu sei muito bem disso, aliás mais abaixo postei um artigo sobre a carta de Pero Vaz de Caminha, constratando a cultura indígena da época e dos portugueses, claro como tudo que se pensa a respeito dos motivos reais da história, é apenas uma análise, jamais se chegará a um conhecimento verdadeiro a respeito do que se deu, porque cada época possui uma mentalidade diferente, mentalidade que nenhuma análise, teoria, livro de história ou professor é capaz de captar. Podemos sim especular sempre a respeito, mas...
Nós herdamos a cultura indígena, e herdamos também a idéia de que o Brasil é uma "droga", de que serve apenas para ser explorado, de que qualquer lugar do mundo é melhor do que aqui; o que mais vemos são brasileiros que dariam tudo para irem morar na Europa ou nos EUA, porque lá trabalhando em serviços considerados subalternos pela maioria, sentem-se mais valorizados. Preferem ir lá e "rebaixaram-se", do que trabalharem em um restaurante aqui. Preferem ir lá e servirem de empregados desses países, preferem substituir a força braçal deles do que servirem de força seja braça ou intelectual aqui. Essa distinção entre força braçal e intelectual é apenas ilustrativa, eu jamais desvalorizo nenhum tipo de trabalho digno, afinal meu pai cuidou de mim durante toda a vida sendo pedreiro, fazendo carreto, e eu me orgulho disso, porque ele fez isso aqui, no país dele. Essa idéia veio com aqueles portugueses, que queriam apenas explorar o Brasil, e com todos os outros estrangeiros que possuíam essa mesma idéia e que vieram posteriormente, acredito que também não se deva generalizar os que vieram, afinal o problema de qualquer lugar em relação à apatia social é o ser humano em si, e não a sua nacionalidade.
Eu não desvalorizo nenhum povo, nenhuma história, e seria louca se desvalorizasse o meu povo, como posso ser preconceituosa comigo mesma??? Inacreditável! Lamentável!
Eu me orgulho do meu país, porque o meu país é cheio de gente que levanta quatro horas da manhã para trabalhar e sobreviver, sustentar sua famílias. Alguns como eu, levantavam cedo trabalhavam para pagar o seu cursinho e conseguir estudar em uma boa universidade. Outros como eu, continuam levantando cedo, trabalhando e fazendo faculdade. Isso é o correto? Talvez não, deveríamos ter a opção de permitir que os nossos jovens apenas estudassem, que se dedicassem as suas faculdades com plenitude, que os pais de família tivessem salários mais dignos, e que a vida do brasileiro fosse mais digna. Sim, esse é o ideal, mas por enquanto não é a realidade, e nem vai ser se os que aqui estão hoje não fizerem esse sacrifício para as futuras gerações.
Eu não tenho vergonha do esforço que a maioria dos brasileiros precisa fazer para sobreviver, do esforço que eu como brasileira faço, também não acho que esse estilo de vida deva se perpetuar, mas quando vejo o completo descaso dos próprios brasileiros para com o seu país me estristeço e fico pensando que isso será sempre assim.
Muitas nações se levantaram depois de guerras etc, mas eles trabalharam pelo seu país, e em primeiro lugar eram, e são até hoje nacionalistas. Talvez essa seja a diferença entre eles e a gente, a diferença não está na capacidade, está na forma como se enxerga a mudança.
Eu amo o meu povo, amo ter descendência indígena e sofro quando penso o que seríamos hoje se não tivessemos sido colonizados, talvez hoje eu fosse uma índiazinha feliz, vivendo em paz e pegando uma banana na árvore quando tivesse fome. Porém sou isso hoje, um modelo imposto de vida, de "civilização", que massacra e tira a dignidade da grande maioria.
Esper um dia me deparar com brasileiros que amem a sua história de superação, e amem o povo batalhador que possuem. A falta de educação é um problema, muito mais poderia ser feito se o nosso povo fosse politizado, mas isso na maioria das vezes, e todo mundo sabe, não é escolha deles.
Muito triste brasileiros que conhecem sua própria história de colonização, não exnxergarem que a mudança é um processo que se dá com cada um fazendo a sua parte, em qualquer área, dentre elas a educação, e que essa mudança deve se dar de acordo com o nosso povo e não copiando modelos de vida que são completamente diferentes simplesmente porque têm de ser.
Eu não vou mudar a cabeça de gente feita, não tenho essa pretensão e muito menos quero me esforçar para isso, já tenho muito o que pensar e definitivamente prefiro perder tempo assistindo novela do que lidar com esse tipo de mentalidade.
E por enquanto sigo, fazendo minha parte pelo meu país sendo brasileira com orgulho e amor, idealista que seja! Eu não me importo, estudando para isso, vivendo para isso, acordando cedo todo os dias para isso. Porque eu acredito no meu país, sou consciente da minha nacionalidade, e de que quebra conheço um pouco da minha origem....