domingo, 23 de setembro de 2012

Sentimento do meu mundo.

Ultimamente não tenho me sentido apta a expressar nenhum tipo de opinião. A realidade é realmente muito cruel e eu sinto que as pessoas optaram por acreditar que atrocidades não ocorrem; é compreensível.
Eu tive um curso na faculdade e estudamos Drummond, lembro que o professor disse que o livro "A Rosa do Povo", publicado em 1945 refletia o "sentimento do mundo" naquele período. As pessoas tinham medo, era um tempo de guerra, o fim da Segunda Guerra Mundial.
Uma vez eu postei um poema deste livro "A morte do Leiteiro", postarei novamente no fim, porque é um belíssimo poema que retrata os extremos aos quais um sentimento que se torna geral, devido às circunstâncias políticas, pode nos levar a chegar.
Porém o foco deste post é o sentimento do mundo de hoje; eu não me sinto apta a postar nada por inúmeros motivos, o primeiro é constantemente perceber a diversidade de ideias, posturas, opiniões, diretrizes, valores, realidades; essa percepção me assusta e me apresenta o quão pequeno é querer que apenas uma verdade seja aderida; diante de algo que me coloca estarrecida e que me derruba, me faz refletir, me faz contemplar assustada, penso que o melhor é entender que o lugar que no mundo me pertence será melhor conduzido se eu souber que ele é restrito, o que não o diminui, porém o torna efetivo nesta grande engrenagem que é o mundo.
Tanta coisa para pensar, tanta coisa para ficarmos "por dentro", quantas coisas a fazer ao mesmo tempo e nas quais precisamos estar atuantes para cumprirmos minimamente nosso papel como parte de um coletivo, desta engrenagem maior e que não diz respeito apenas ao nosso umbigo, não é tarefa fácil, por vezes dolorosa e justamente por este motivo fingimos não perceber o mundo cruel que nos cerca. Vemos constantemente os extremos cometidos pelos motivos mais fúteis e ridículos referentes apenas aos interesses daqueles que dão as diretrizes em um mundo que a poucos pertence. Ordens de reintegração de posse nas ocupações em prédios inutilizados e que passaram a abrigar famílias que possuem filhos nas escolas, empregos, uma rotina, sendo realizadas para revitalização no centro; ação policial contra moradores de rua, indigentes, problemas a menos; incêndios em favelas que coincidentemente estão em regiões que sofreram valorização imobiliária; proibição de "sopas", "livros", sucateamento de bibliotecas de bairro, universidades; essas questões apenas no âmbito da nossa cidade, São Paulo, e apenas dentro de uma questão que nos diz respeito, isto é um recorte pequeno e por que não ridículo, diante de toda a complexidade que é a vida dessa engrenagem e daqueles que vivem as diferentes realidades dentro da dinâmica da cidade.
Em relação às "valorizações das regiões", já é sabido que estes fatos que ocorrem diariamente no centro se estenderão a demais regiões no futuro, ou seja, é só o começo.
Se pensarmos no Brasil, na minha cabeça imediatamente questões surgem como economia do que eu nada entendo, crise, meio-ambiente, Belo Monte, Índios, cultura e diversidades respeitadas, inclusão social, desenvolvimento sim do Norte e Nordeste e o nojento pensar paulista em relação ao seu papel nessa engrenagem maior. Mundialmente, o que me vem, imediatamente, é a perseguição constante aos muçulmanos que se dá ainda devido ao conceito de "América para os americanos", compramos a ideia de uma mídia vendida à pior referência que se pode ter, sem nada entender sobre a realidade política daquelas nações, sua história, religião e pensamento; recentemente descobri mais profundamente a história do Japão e do quanto aquele povo sofreu por precisar se submeter primeiramente a um governo imperialista e após isso ainda foram obrigados a permanecerem subjugados aos erros de seu governo e à força militar imposta pelos EUA ali, quantos povos sofreram e sofrem, e como é triste ver que diante disso tudo os seres humanos conseguem tornar suas vidas ainda mais insuportáveis, porque aprendi recentemente também que os japoneses além de serem uma excelente referência em diversos aspectos que acredito já serem de senso comum, são também separatistas e preconceituosos; e, como todo bom "ser humano" consegue piorar ainda mais a sua própria vida; nada que seja diferente daqui, aqui é a mesma coisa, vivemos a ilusão de que não há preconceito, injustiça social, morte. Prefiro nem pensar nos índios americanos, nos nossos irmãos africanos, e eu citei nada, absolutamente, em relação ao tamanho e aos países do mundo, até porque não saberia fazer isto. O mundo é vasto, vasto mundo, disse Drummond no poema deste mesmo livro "A Rosa do Povo", o poema chama-se "Sete Faces", porém ele mesmo responde: "Mais vasto é o meu coração"!
Lenine me inspira, e me inspira mesmo, eu não sou a maior conhecedora de música e nem tenho essa pretensão, mas muitas vezes me percebo diante de um poeta, sensível, sagaz e inteligentíssimo, se não o for, não tenho problema algum em fazer parte do seu  "público-alvo", faço com orgulho. Deixarei antes do poema uma música que definiu o meu sentimento, o sentimento das conversas que tenho com amigos, do meu mundo, da minha caverna; espero que alguém se identifique, o título é: "Isso é só o começo" e faz parte do novo CD, "Chão", baseado na música concreta que busca os sons reais, concretos, da natureza, da vida, nesta música há sons da natureza e também de uma máquina de lavar, passos e demais elementos usados nas faixas anteriores, deixo como dica a música "Uma canção e só" que se baseia no som de uma chaleira.
Termino o post aqui, porque não tenho nada a dizer, não me sinto apta, sinto apenas que "é só o começo".

Link da música: "Isso é só o começo: http://www.youtube.com/watch?v=Mk3eDRGZB9w

 POEMA: "A Morte do Leiteiro" - Carlos Drummond de Andrade

A Cyro Novaes
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.


quinta-feira, 15 de março de 2012

Um convite à Reflexão

O que somos? Cidadãos, trabalhadores, estudiosos, cristãos, irmãos, filhos, namorados, amigos?

Diante da sociedade todas essas nomenclaturas referem-se apenas aos rótulos superficiais que tentam definir aquilo que somos internamente.

O que seríamos em uma sociedade em que nenhum desses rótulos ou papeis sociais encontram espaço para serem exercidos? Ou ainda, em que nem mesmo aquilo que realmente somos no nosso íntimo encontra espaço para dar o seu grito?

Órbita da Repressão é um vídeo independente que possui um viés político.

Por meio de relatos de moradores de rua e opiniões de especialistas trata da questão da Ação da Polícia na Cracolândia, centro velho de São Paulo.

Um convite à reflexão, apenas isso.







terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Conexão

Bom, no meu blog eu admito mais do que no facebook expor minhas opiniões apaixonadas, ou até mesmo meus desabafos. Também não me preocupo com os julgamentos dos críticos facebookianos sobre postagens, primeiro porque considero ridículo indiretinhas via facebook e segundo que se porventura algo me desagradar na postagem de qualquer pessoa que seja, ainda me resta a opção ocultar, mas dificilmente faço isso porque as pessoas que eu permiti que fizessem parte da minha rede, são pessoas que eu tenho total interesse em saber sobre tudo.

Sim essa é uma opinião apaixonada e se você não gosta de pontos de vista desse tipo, recomendo que pare a leitura por aqui.

Amanhã haverá um ato que vai contra a política que o Estado de São Paulo resolveu exercer em relação aos usuários da Cracolândia. E eu irei porque assumidamente sou contra.

Eu cresci na Cracolândia. Por um acaso do destino, de Deus ou de qualquer coisa que se assuma como responsável, nunca fui uma vítima direta das drogas, e graças ao meu pai que sempre trabalhou apesar de possuir "limitações físicas", apesar de ser deficiente, nunca me faltou nada. Porém não sou apática a essa realidade porque a visão ainda continua sendo um dos meus sentidos.

Tenho amigos de infância que se tornaram vítimas do problema social que é a Cracolândia e que acabaram entrando nas drogas. Tive a oportunidade de fazer parte de uma comunidade que lidava diretamente com a recuperação dessas pessoas. Em meio a essa realidade, o que eu aprendi sobre tudo isso, é que o que a Cracolândia possui são pessoas e não zumbis. Pessoas marcadas das piores maneiras possíveis e pelas piores expressões que o nosso sistema prevê para a sua própria existência. Mas que ainda são pessoas.

O Governo de São Paulo agora finge se preocupar com essas pessoas querendo resolver o seu próprio problema torturando-os por meio do cansaço e da abstinência. Um estado responsável pelo seu surgimento, pela sua permanência e agora pela grotesca forma que optou para sua eliminação. Sim, porque eu sempre me lembrarei da forma que optaram para lidar com o problema, nunca apoiei este governo e a partir de agora para sempre não apoiarei.

Eu sou estudante da USP e desde os fatos ocorridos ali com a PM, tenho sido uma ativista constante e por vezes chata a respeito do que a PM significa. Porém, minha opinião sobre a Polícia não surgiu porque me tornei estudante da USP e sobre isso já discursei bastante em um post abaixo. A minha opinião sobre a polícia foi formada desde sempre, isso porque sou a Keyth antes de exercer qualquer papel social. A Keyth cresceu na Cracolândia.Vivi em meio a uma realidade em que a polícia esteve presente apenas para se aproveitar dos usuários tanto quanto traficantes. Por vezes vi da minha própria janela policiais repassando drogas.

Generalizo as pessoas que assumem a profissão de policial? Não. Como em qualquer lugar, corporação, empresa, faculdade, etc, existem os responsáveis e os pilantras. Acontece que ali, naquela região o contato que tive foi com os que são ou se tornaram pilantras.
Já entendi que a própria corporação os cria com seus métodos militares e desumanos, humilhando-os, o filme Tropa de Elite também serve para mostrar isso. Geram seres humanos que transmitem exatamente a forma como são tratados por este próprio estado, pois não possuem salários dignos, e, por mais que tenhamos passado o tempo de ditadura, ainda são preparados para lidar com seres humanos como naquela época.

Em uma conversa com um policial em frente a minha casa, soube por meio dele, que sequer possuem o direito de se organizarem em sindicatos ou de protestar, senão são logo descartados. Perguntei: "Por que você se submete a isso?", e ele me respondeu: "Porque tenho dois filhos para criar". Resta a pergunta: Será mesmo que essa nossa segurança não é questionável? Eu não consigo pensar que não seja e como estudante me levantei para o debate pois enxerguei a força que esse papel social possui. Uma força que um usuário infelizmente não possui para alguns, porque para mim, a opinião que um usuário possui é tão relevante quanto.

A Cracolândia sempre foi esquecida. Esquecida da mídia e da sociedade paulistana. Hoje com a especulação imobiliária ela se tornou uma questão relevante ao governo e a essa mídia golpista e capital que possuímos. Ainda bem hoje temos a internet, mas enfim tomemos cuidado com SOPA e PIPA.

Inevitavelmente a sociedade parece pela primeira vez ter enxergado que essa é uma questão e um problema a ser resolvido por todos, seja por atos, seja pelo terceiro setor, filantropia, etc. ou mesmo para se sentir no direito de opinar a respeito. E devo dizer: é sim. Como cidadãos os paulistanos possuem todo o direito de opinar a respeito do tema, mesmo que isso fira o ego das pessoas que sempre estiveram em contato com essas pessoas. Se isso não fosse legítimo, não poderíamos opinar em relação a nada que ultrapassasse 5km de distância das nossas próprias realidades, e não é isso que ocorre.

A essas pessoas que apesar de não terem vivido essa realidade de perto, mas que possuem a mesma visão, de que os usuários são pessoas e que não há guerra contra as drogas que justifique essa ação mal planejada, que não prevê reabilitação a todos e muito menos a questão da internação compulsória como humana (sim porque isso está sendo proposto), é que eu venho fazer o apelo para que compareçam ao ato de amanhã na Praça da Sé no primeiro horário. Estejamos lá! Eu estarei!

E eu não faço a mínima idéia de quem organizou esse ato, não sei se foi partido, se foi associações que trabalham com essas pessoas, já vi que ambos estarão presentes, assim como cidadãos que se assumem comuns, como eu. E eu também não quero saber! Eu estarei lá, porque sou humana e considero uma verdadeira barbárie a forma como essas pessoas estão sendo tratadas. E se, se sentir ultrajada com qualquer assunto que remeta ao social significa para alguns, necessariamente ser de esquerda, então eu me assumo feliz e com orgulho BICHO GRILO!!! Independentemente disso eu sou de esquerda mesmo, porém considero que ser uma pessoa humana, não está necessariamente ligado ao partido que se apóia ou à ideologia que se tenha.

Pinheirinho me afetou tanto e está me afetando, porque eu vi pessoas que se organizaram, que construíram suas casas sendo desrespeitadas e ultrajadas por um estado que visa apenas o lucro. Percebi que jamais poderei condená-los caso se tornem usuários de drogas, bandidos ou qualquer nomenclatura que se use. Não possuem mais nada a perder, perderam suas casas, perderam seu tempo, perderam sua dignidade. Alguns perderam a presença de pessoas que foram mortas, há o relato dos moradores de uma criança de 3 anos que morreu asfixiada pelas bombas de gás lacrimogênio. A "grande" mídia não noticia isso, mas entre o que me é apresentado pela mídia e o que me é apresentado pelos moradores, eu sem dúvidas fico com a versão dos moradores. Será completamente compreensível se optarem pelo auto suicídio que uma droga como o crack representa.

Sobre o sentimento que essas pessoas carregam consigo mesmas eu nunca poderei ter real noção do que seja, quer dizer não sei, neste sistema nunca podemos contar com o amanhã por mais que nos esforcemos.Deixo abaixo uma música que considero magnífica do Gabriel o Pensador sobre o tema, sobre ser mendigo, sobre ser excluído da sociedade e viver nas ruas, realidade dos usuários da Cracolândia e agora dos ex-moradores de Pinheirinho. Concordo com a letra, de alguma maneira vai de encontro com aquilo que consegui apreender. Sim apreender, porque é impossível aprender sem experiência.

Para quem não quiser ouvir, deixo previamente uma frase da música: "A NECESSIDADE É MAIOR DO QUE A MORAL!". Ah meu amigo, a necessidade é MUITO MAIOR DO QUE A MORAL!!!
Convido: Todos ao ato amanhã!! CONTRA A HIGIENIZAÇÃO E A FAVOR DE TRATAMENTO DIGNO AOS USUÁRIOS!!!!
Porque apesar do desânimo apresentado no texto, ainda acredito sim que as coisas podem mudar. Opto por ser OTIMISTA E LUTAR! Como sabiamente diz uma música do Teatro Mágico: MILAGRES ACONTECEM QUANDO A GENTE VAI A LUTA!

Keyth Costa